sábado, 18 de setembro de 2004

Filme sobre Hitler é sucesso de bilheteira

Marga Burberns e Margarete Noll têm 79 anos, conhecem-se desde os bancos da escola primária. Quinta-feira à noite foram juntas ao Essener Lichtburg, cinema que, na época em que se desenrola o filme que escolheram ver, se situava na Rua Adolf Hitler.
As duas septuagenárias de Essen assistiram a "Der Untergang" ("o crepúsculo"), o filme produzida por Bernd Eichinger ("O nome da Rosa") e realizado por Oliver Hirschbiegel, que narra os 12 últimos dias de Hitler no Bunker Berlim. "Foi assustadoramente realista. As cenas com as granadas e os tiroteios. O meu coração bateu com tanta força", descreve Marta Burberns, que assistiu a muitos bombardeamentos em Essen, tendo ficado gravemente ferida num deles, atingida por estilhaços de uma bomba. "Nós tínhamo-nos escondido num túnel e a bomba caiu directamente sobre a entrada. Com o filme as imagens voltaram todas à minha cabeça."
Em Mainz, à saída do CineStar onde o PÚBLICO falou com alguns espectadores, Gabriela Schmidt, 32 anos, afirma-se chocada "com a brutalidade de algumas cenas" e diz ter chegado ao fim "sem conseguir perceber como foi possível que os alemães tivessem seguido cegamente aquele demente". Recomendaria o filme? "Todos os alemães deveriam vê-lo", diz peremptoriamente. "Principalmente agora quando se ouve falar tanto do suposto sucesso da extrema-direita." Acompanhado pela mãe, "tinha algum receio de ver o filme sozinho", Falco Riedl, 16 anos, diz ter achado "impressionante que com os russos já a conquistar Berlim se ponham miúdos a defender a cidade e com tudo já perdido se executem os desertores".
O filme "Der Untergang" estreou-se com sucesso em 400 salas de cinema alemãs tendo sido visto, na quinta-feira, por mais de 100 mil pessoas. "Registámos mais de 100 mil entradas à escala nacional, o que é sensacional", congratulou-se Thomas Friedl da Constantin Film, a empresa distribuidora. Tendo em conta a duração do filme, 155 minutos, que faz com esta só possa ser exibida em duas sessões diárias em lugar das habituais três, o número de espectadores é de facto elevado.
Mas outra coisa não seria de esperar face à temática e aos rios de tinta que já correram na imprensa germânica e internacional. Dedicando uma página inteira - formato "broad sheet" - aos derradeiros dias de Hitler, Frank Schirrmacher, o temido editor do suplemento cultural do "Frankfurter Allgemeine Zeitung" saudou a "segunda descoberta de Adolf Hitler". O filme, prossegue Frank Schirrmacher, "torna visível aquilo que até hoje nos persegue (...): é uma obra-prima e uma data importante do nosso trabalho histórico". "Sem Bruno Ganz isto teria sido impensável", conclui o editor. Ganz, o actor suíço que protagoniza Adolf Hitler, preparou-se imensamente para o papel: leu diversas biografias do Fuehrer e testemunhos da época, recebeu aulas de dicção para aprender o acento austríaco de Linz, cidade natal de Hitler, visitou uma clínica onde estão internados doentes de Parkinson para mimetizar os movimentos trémulos das mãos que caracterizam a doença que Hitler teria.
Num ensaio publicado ontem pelo "Frankfurter Allgemeine Zeitung", o historiador britânico Ian Kershaw - autor de uma monumental biografia de dois volumes sobre Hitler - escreve que " de todos os retratos [cinematrográficos] de Hitler este é o único que me convenceu" . Opinião que é partilhada por outro historiador que durante 16 anos governou a Alemanha, Helmut Kohl. Para o ex-chanceler, "o filme tinha de ser feito e espero que muitos o venham ver", ele mostra "às novas gerações como os alemães se deixaram seduzir pelo nacional socialismo".
Já Hans Mommsen, professor emérito de História, critica o filme. "A pura reconstrução de factos não é História. A redução da História a uma estória pessoal não adequada para dar a perceber os grandes processos históricos."

Fonte: Público

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